Somos testemunhas de um fenômeno inquietante: o eclipse gradual dos valores democráticos que, por décadas, serviram como farol para sociedades que aspiravam à liberdade, igualdade e justiça. O que observamos não é uma ruptura abrupta com a ordem democrática, mas uma erosão meticulosamente orquestrada — um desmonte silencioso que se materializa sob a aparência de normalidade institucional.
Este paradoxo contemporâneo representa um
dos maiores desafios à compreensão do nosso tempo: como as democracias estão
sendo subvertidas por dentro, utilizando os próprios mecanismos que deveriam
protegê-las.
Na atualidade, presenciamos a ascensão de
figuras políticas que, embora cheguem ao poder através de processos eleitorais,
gradualmente minam as instituições democráticas que limitam sua autoridade.
Este fenômeno transcende fronteiras geográficas e ideológicas, revelando
padrões perturbadores que se repetem em contextos aparentemente distintos — de
Washington a Moscou, de Pequim a Caracas, evidenciando que a democracia, longe
de ser um estado permanente, é um equilíbrio frágil que exige vigilância constante.
Como observou Hannah Arendt, filósofa que
testemunhou a ascensão do totalitarismo no século XX: "O súdito ideal do
governo totalitário não é o nazista convicto ou o comunista convicto, mas as
pessoas para quem a distinção entre fato e ficção, entre verdadeiro e falso, já
não existe." Esta observação ressoa profundamente em nosso tempo, onde a
manipulação da verdade tornou-se ferramenta fundamental para a consolidação de
projetos autocráticos.
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A Anatomia da Erosão
Democrática: Padrões Globais.
O declínio democrático contemporâneo segue um roteiro surpreendentemente consistente. Conforme evidenciado pelos estudos de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt em "Como as Democracias Morrem", existem sinais de alerta que precedem o colapso democrático: o enfraquecimento das instituições de controle, a deslegitimação dos oponentes políticos, a tolerância à violência e a restrição das liberdades civis.